quarta-feira, junho 27

Um pé na chuteira e outro no chão


No dia 17 de junho de 1962 em Santiago no Chile, o Brasil levantava  pela segunda vez a Taça Jules Rimet, aquela que, oito ano depois, na copa de 70, conquistaríamos em definitivo e que posteriormente seria roubada. A taça foi provavelmente desmanchada e vendida por alguém ou alguns que consideraram mais importante o ouro cunhado na taça que o valor histórico dela.  

            Passados 50 anos e alguns dias da conquista do Bi, foi aberta ao público no dia 26 de junho de 2012  a exposição "Cinquentenário da Copa do Mundo de 1962",  relembrando  a conquista do mundial que, com a contusão de Pelé no segundo jogo contra a Tchecoslováquia (também adversário da final),  ficou conhecido como a "Copa de Garrincha". O "pernas tortas" já havia sido fundamental na primeira conquista, quatro anos antes na Suécia, mas que nessa copa foi a grande estrela e o condutor do time canarinho.

            Estudar, conhecer a história são ações primordiais para a vida de um povo, inclusive para que os erros do passado não se repitam. Por vivermos em uma sociedade que possui como uma de suas características negativas a memória curta, momentos como esse são de grande importância.

            O futebol é uma atividade fundamental para a maioria do povo brasileiro. Entendo esta prática não apenas como mais um esporte, mas sim como um importante fenômeno sociocultural, que faz parte e se destaca entre as nossas práticas comuns, no nosso folclore, nas nossas tradições. Muitos consideram esse fator negativo. Acredito no contrário, pois o esporte bretão representa, em sua essência, algumas das melhores características do nosso povo; a alegria, a vontade de viver a beleza e a plástica.

            Entendo o futebol como uma arte (quando é bem jogado é claro), que poucos podem realizar com qualidade, mas que apaixona e atrai milhões. Amo a música, o teatro, o cinema, a pintura e o golaço.

            Por outro lado, é inconcebível colocar esta prática a frente das outras, o futebol e o esporte não podem ser priorizados em detrimento da educação e da saúde pública, por exemplo. Ele deve ser transformado em uma política pública, que esteja aliada a estes outros segmentos prioritários para que os complemente.    

            Dessa forma, considero absurda a realização do mundial de 2014 aqui no Brasil, ao menos da maneira como está sendo feito. O dinheiro que é meu, seu, vem sendo utilizado, a exemplo do que aconteceu no Pan de 2007, em beneficio de poucos, nesse caso alguns  clubes, empresários, banqueiros, empreiteiros. Os de sempre.  

            Vale lembrar que enquanto as obras estão funcionando 24 horas por dia, as salas de aula da maioria das universidades federais estão vazias. 

            A Copa do Mundo assim como as Olimpíadas, que virão logo depois, são eventos grandiosos e que trazem muitos benefícios para os países que os realizam. A Alemanha em 2006 é um bom exemplo, porém da forma que vamos, estamos mais para a África do Sul.   

            Feita esta ressalva com um quê de protesto, chego a uma questão que acho fundamental e que muito me preocupa: a perda estética, moral e cultural (tema que já abordei em um texto anterior a este, intitulado "Valores"). Naquele momento citei alguns exemplos de aspectos da nossa vivência, dando um enfoque principal na nossa música, mas nem de longe pensei em falar de futebol, por achar que este fosse um ponto que não se alteraria.

            Pois bem aqui estou, não para falar de clube A, B, ou C (como também aqui já foi feito em um texto intitulado "Santos Raios", em razão das comemorações dos 100 anos do Santos futebol Clube), mas sim o time de todos nós, a Seleção Brasileira, tema de início da nossa conversa de hoje e que também irá finalizá-la (espero que para a tristeza da maioria) através de um relato de espanto e surpresa negativa que tive.

            Assisti o ultimo jogo entre Brasil e Argentina, em um shopping da capital paraibana, o jogo foi muito agradável,  com muita movimentação e gols,  apesar do nosso revés, a equipe verde e amarela jogou bem.  

            O fato que me chamou atenção não foi o jogo em si, foram as torcidas. Era de se esperar que, dada a conhecida rivalidade existente entre as partes envolvidas no confronto (que inclusive é maior de nossa parte), só houvesse comemoração durante os gols brasileiros.

             A verdade é que fiquei desnorteado ao perceber que o grito pelo gol  argentino foi maior que pelo gol do Brasil. Mesmo que lá estivesse reunido o consulado da Argentina, deveríamos fazer mais barulho. Independente de toda a sujeira que é a CBF, do mau momento da seleção, do técnico que não é bem visto pela maioria e nisso eu me incluo, não se pode torcer contra o seu país em nenhuma hipótese, afinal quando o time do Brasil entra em campo, independente de quem esta vestindo a amarelinha,  somos nós sendo representados. 

            Um dos poucos momentos em que a grande maioria de nós lembra que é brasileiro, infelizmente, é durante o período da copa. E se até o time canarinho, maior vencedor de mundiais, exemplo de beleza, arte, classe e alegria para todos, que sempre foi a paixão do brasileiro, perdeu importância e valor ao ponto de ser preterido em benefício do maior rival, o que podemos falar das outras coisas?, o que falar da política, da cultura, da ética? 

            A torcida, o amor, a luta pelo lugar e a valorização das coisas que são nossas tem que ser diária e ininterrupta. Disso não se pode abrir mão. Não será apenas com a construção de estádios que esse quadro se modificará, ainda que venha o hexa, será uma euforia passageira, os problemas reais permanecerão, pois o jogo que transforma de fato, é diário e não é disputado por apenas 11, mas sim por 200, milhões. 

Iago Sarinho
 

terça-feira, maio 1

Civilidade - Capítulo 1

Moro em frente a uma via principal, que de seis as oito é exclusiva para os pedestres, o que torna o lugar extremamente agradável, gente de idade e crianças fazendo um bom e saudável exercício matinal.

Para garantir isso, simbolicamente sempre temos cones no inicio e final do trajeto, hoje por ser um feriado, talvez alguém não tenha sido imbuído desta tarefa e por tanto não tínhamos nossos defensores (os cones), mas isso não deveria ser um problema, pois 70, 80, 90 por cento das pessoas que transitam por aqui, nessa hora do dia, são moradores da região e sabem que essa via é reservada para os pedestres nesse horário.

Pois bem, saí de casa para fazer o tradicional passeio matinal com meu amigo Caíque, e me deparei, vejam só, com carros onde deveriam estar pedestres. Por um único motivo: a ausência dos cones. Porém, se a grande  maioria delas sabe que não deveriam estar passando por lá nesse momento de outra maneira a não ser andando, não seriam necessários os CONES.

Vendo isso, iniciei minha caminhada pelas ruas marginais, mas se era meu direito ir pela principal, por oferecer mais conforto e qualidade ao meu passeio, eu não iria e não poderia abdicar disto. Fui para o meu lugar e comecei a gesticular e falar tentando avisar as pessoas, que não deviam estar passando por lá.

Ouvi e vi alguns gestos e palavras não muito agradáveis. De cada 20 automóveis, por exemplo,  uns quatro ou cinco me ouviram e "lembraram" que não podiam estar ali e foram para seus devidos lugares, uns dois ou três que não eram moradores da região pararam achando que estavam na contramão.

Encontrei mais a frente um senhor que sempre esta fazendo esse trajeto acompanhado de duas cadelinhas muito simpáticas que adoram caju (ele colhe a fruta ali mesmo) e mais uma senhora que eu ainda não havia conhecido.

Iniciamos um debate sobre o tema (todos nós irritados com a situação, é claro) e chegamos a grande questão, o que fazer para resolver o problema? concluímos que o motivo para o acontecido era a falta de educação e de respeito para com o direito do próximo, o que é um dever de todos nós, e que a mudança deveria começar naquele momento, fiz um merchandising do texto anterior, que esta na postagem logo abaixo desta e que trata de tema similar.

Retornei para casa depois da conversa pensando no assunto e tentando avisar mais motoristas que aquele lugar não era para eles (a situação da ida não mudou muito na volta), decidi que a partir de agora, aqui nesse nosso espaço de conversa, vou passar a contar também coisas como as dessa manhã. Quem sabe alguém que passou de carro, moto (teve um ônibus também), leia esse texto e não repita o ato novamente, se uma pessoa que seja mude, se conscientize, vai ter valido a pena escrever este texto.

Iago Sarinho

Para começar o dia, Zeca Baleiro - Boi de Haxixe

 

segunda-feira, abril 30

Valores


Defender a sua terra, as suas crenças, a sua história, a sua cultura, são obrigações que todos nós temos, mas que efetivamente não cumprimos. Constatar e reclamar da descaracterização cultural e social pela qual passamos é muito fácil, mas o que você já fez pra tentar reverter isso?

O nosso momento é um reflexo dos rumos que tomamos e que estamos tomando. É verdade que estamos avançando economicamente, inclusive que há uma melhor distribuição da renda gerada por esse crescimento, porém não dá prosseguir com esse crescimento se nossos valores culturais que sempre nos acompanharam continuarem a ser perdidos.

Um exemplo muito claro disso é o da música. Sempre existiu música ruim (é complicado taxar algo como ruim ou bom, mas existem valores estéticos, éticos e morais, sem hipocrisia é claro, que norteiam isto e que não podem ser esquecidos), o problema é que elas surgiam e iam embora, pois é fato que o que é bom é para sempre, e o que não é se deteriora. Pois é aí que está a chave da coisa, descobriram o caminho da imortalidade, transformaram o processo de criação livre e artístico em uma mera linha de produção que enche o mercado de produtos que possuem apenas valor comercial e que em breve serão substituídos por algo similar. A massificação disso com o uso irresponsável e excessivo da grande mídia ofusca as coisas boas que continuam sendo feitas.

O quadro da música se reflete em todo o resto. A perda do referencial é sem dúvida alguma, um dos maiores problemas que um povo no sentido mais amplo da palavra pode enfrentar. Somos uma sociedade jovem e uma democracia quase bebê, ainda não aprendemos que esse sistema é uma via de mão dupla e que temos tantos deveres quanto direitos e igual responsabilidade em todos esses aspectos

Com isso retornamos a pergunta de inicio, o que você, o que eu, o que nós fizemos ou estamos fazendo para reverter tudo isso? Sinceramente não vejo mudanças em curto prazo, o caminho para modificações efetivas começa na política (pois este é o campo que rege todas as transformações), na mudança de pensamento, na responsabilização de cada um com todo o processo, não se pode estar alheio a isso.

Em alguns meses teremos mais uma vez a oportunidade de fazer mudanças, as eleições estão ai e esse será o momento de escolher os novos rumos (sejam eles de continuidade e aprimoramento de coisas boas que estão acontecendo ou de ruptura efetiva), essa será uma nova oportunidade de fazer a sua parte.

Iago Sarinho


Jackson do Pandeiro - Um a Um




Chico Cesar, Elba Ramalho e Quinteto da Paraíba - Por causa de um ingresso do festival matou roqueira de 15 anos



Adeildo Vieira - Olhos de Paisagem








Santos Raios

Existem algumas coisas na vida que quase todo mundo gosta. Na culinária italiana a pizza, no amor o sexo e no futebol o Santos.

Motivos, explicações e versões, para essas quase unanimidades existem aos montes. O fato é que, raramente é possível afirmar categoricamente se uma delas está ou não correta.

No caso do futebol, a justificativa mais comum tem nomes, Gilmar, Pepe, Pelé, Coutinho, Mengálvio, Dorval, Edu, Giovanni e mais recentemente, Diego, Robinho, Ganso e Neymar. Todos representantes genuínos do futebol praticado na cidade portuária. Esses e outros fizeram e fazem deste, não o de maior torcida, mas sem dúvida o time mais querido daqueles que são amantes do verdadeiro futebol.

Foi pelo porto de Santos, que a primeira bola de futebol, trazida por Charles Miller chegou ao Brasil. Como consequência desse primeiro contato, 20 anos depois foi fundado em 14 de abril de 1912, data que, por óbvia coincidência, foi o mesmo dia em que o  Titanic, anunciado como o maior e mais resistente navio da época, afundou provocando uma das maiores tragédias, ou pelo menos uma das mais lembradas, filmadas e premiadas da história. Na contramão, o Santos, criado sem tanto alarde, iniciava a sua história de glórias, gols e arte.  

Por uma conjunção astral, pelos desígnios dos deuses do futebol, ou por qualquer outra coisa, o raio acaba sempre caindo na vila (é claro que de lá ainda não surgiu alguém do nível de Pelé, convenhamos, isso é quase impossível, mas não será Neymar um bom herdeiro dessa história?).

De lá costumeiramente, surgem semi e deuses imortalizados por nossas memorias, corações e tentativas falhas, afinal como imitar em nossas limitações àqueles que alcançam a imortalidade?

Já que não é fácil a tarefa de chegar ao Olimpo, vamos ficar com a de relembrar da melhor maneira possível essa trajetória brilhante que completou ontem junto com o naufrágio anteriormente citado, cem anos.

O documentário “Santos, 100 anos de Futebol Arte” dirigido por Lina Chamie e exibido na ESPN Brasil (que foi um dos motivadores para esse texto), que recomendo, assim como o filme “Pelé Eterno”, do diretor Anibal Massaini Neto, realizaram bem essa missão.

Espero ter dado a minha contribuição ao tema, longa vida e sucesso ao Santos Futebol Clube, que mais raios caiam por lá, quem sabe um deles dá uma desviada e vem parar por aqui? Seria uma maravilha no contorno.

Vamos torcer!


 Iago Sarinho

 
Trailer "Santos, 100 anos de Futebol Arte"


Trecho do Filme "Pelé Eterno"

 

domingo, abril 29

Os Neomalandros

 Hoje, nem malandro se faz como antigamente?

 O fato é que a malandragem era quase do bem. Eram namoradores, boêmios, sambistas de caixa de fósforos, da Lapa ou do Ponto de Cem Réis, mas eles não causavam grandes problemas. Na verdade faziam parte da lógica da cidade, estavam envoltos por um mito, eram figuras românticas, amadas. E é claro que onde existe amor também existe ódio.

 Os atuais têm todas as más características dos antigos, são mais sofisticados é verdade, não usam mais paletó branco e são de difícil detecção, pois são ainda mais “malandros”.
 Não possuem mais como meta, a cerveja e o cigarro do dia ou aquela morena de cair o queixo, são agora gananciosos,  não ligam para a música nem tampouco para a poesia. Utilizam de uma única “arte”, a de fingir e ocultar sua verdadeira face. Eles e elas se espalham, ocupam os mais diversos lugares e meios, estão a minha e a sua volta.

 Esses neomalandros são originalmente hipócritas e aí é que está a grande diferença. A malandragem antiga não era mascarada, estava e era caracterizada, por isso era tão encantadora, bebiam, fumavam, cantavam, se sabia quem eram efetivamente e dessa maneira eram queridos ou não.

  Na realidade, o adjetivo malandro, que servia para caracterizar Bezerra da Silva, Livardo Alves, Jackson do Pandeiro e que ainda serve para alguns remanescentes como é o caso de Parrá (um dos poucos que ainda carrega a bandeira da boa malandragem), foi modificado, descaracterizado, foi subtraído em seu valor lúdico e romântico.

 Nos dias atuais, esta palavra adquiriu uma conotação bem diferente, que não é apaixonante, digna de destaques positivos ou de boas histórias. Os novos donos desse adjetivo, sinceramente, é melhor não citar.
 Iago Sarinho

Chico Buarque dá sua versão do tema...

 

Vital Farias canta uma história de malandro...

  

  Bezerra da Silva, o rei da boa malandragem?